Publicada em 13 de junho de 2005
O Estado de S. Paulo
Eduardo Nunomura
Enviado Especial
LA PAZ
Militante trotskista, Jaime Solares foi um sindicalista mineiro nas décadas
de 80 e 90. Em agosto de 2003, virou secretário-executivo da Central
Operária Boliviana (COB). É um crítico feroz do neoliberalismo. No ano
passado, foi acusado por uma organização de direitos humanos de ter sido
paramilitar no passado, fato nunca provado. Ele já ameaça o novo presidente,
Eduardo Rodríguez, com novos bloqueios e marchas. Para ele, as empresas
petroleiras transnacionais, como a Petrobrás, fazem um mal à Bolívia.
O que querem do novo governo?Ele tem de dar carta branca com o decreto
supremo da nacionalização dos hidrocarbonetos. Se nacionalizarmos e
industrializarmos, teremos dinheiro para o país. Se há uma crise energética
no mundo, por que a Argentina e o Brasil compram gás boliviano a um preço
irrisório? Companheiros, aqui não há país amigo. Há interesses.
Por que o ódio às transnacionais?
As transnacionais dizem claramente: aqui é lindo fazer negócio, porque
investimos um dólar e ganhamos dez.
O sr. pensa o mesmo da Petrobras?
Aqui os próprios empresários são sanguessugas. Petrobras? É um anjo com asas
negras, igual ao demônio.
O governo já sinalizou que a nacionalização é um tema do Congresso…
Mas quem está ali? Mais de cem corruptos que defendem o interesse das
empresas transnacionais. Fizeram uma lei de hidrocarbonetos com a
cumplicidade deles, recebendo US$ 50 mil cada um. É uma lei neoliberal, com
o visto da embaixada americana.
Não é possível dar um voto de confiança ao novo presidente?
Rodríguez é da mesma turma de Mesa. Ele, Mesa, Mario Cossío (presidente da
Câmara), Hormando Vaca Díez (do Congresso), qual a diferença entre eles?
Nenhuma. São demônios.
A Assembléia Constituinte não deveria vir antes da nacionalização?
Creio que temos de ver primeiro a estrutura econômica. Quando se vê o
problema verdadeiro da economia, aí nascem as leis de verdade. Se queremos
uma Constituição revolucionária, precisamos ter um governo revolucionário.
Vocês defendem um governo revolucionário?
Há duas formas de tomar o poder. Pela insurreição popular ou pelas eleições
democráticas burguesas. Não nos convém simplesmente tomar o governo, como
Salvador Allende (presidente no Chile, anos 70). Há que tomar o poder e ele
nasce do fuzil. Para isso, temos de consolidar um processo igual ao que
(fez) o coronel (e presidente venezuelano Hugo) Chávez.
Quem é a maior expressão política?
Fidel Castro. Logo está o companheiro Chávez (… ) Ou somos socialistas ou
capitalistas.
Não vai marchar? Pague 50 bolivianos
EL ALTO, BOLÍVIA
Nos regimes totalitários, um dos recursos para recrutar pessoas para uma
causa é por meio da intimidação. Na Bolívia, isso está ocorrendo em El Alto,
a cidade do altiplano com quase 1 milhão de habitantes e atualmente o maior
foco de resistência dos movimentos sociais. Nas últimas semanas, milhares de
alteños, como são chamados os moradores da região, desceram até La Paz, a
capital do país, para protestar. Na aparência, incansáveis. Na verdade,
obrigados, muitos deles. Quem não marcha, tem de pagar às Juntas de Vizinhos
50 bolivianos (R$ 15) por cada falta.
“Eles nos obrigam a baixar (até La Paz). Se não vamos, dizem que somos
inimigos, capitalistas, governistas”, afirma Gabriela Torres, uma índia
aimará de 60 anos, que desconhece o poder público e está longe de ter
posses. Ela vende verduras nas ruas e ganha cerca de 500 bolivianos por mês
(R$ 150). Paga aluguel de 150. Na sua casa há uma TV, um fogão de duas
bocas, uma cama, uma mesa e um rádio. O banheiro é coletivo. Mas na porta,
há uma inscrição: “No marcha”. É a identificação para dizer que Gabriela,
recém-operada da vesícula, está em dívida com sua Junta de Vizinhos.
O taxista Jhony Cuarita, de 51 anos, trabalha e mora em La Paz, mas tem duas
casas em El Alto. Por causa delas, acumula uma dívida de 600 bolivianos com
as juntas, segundo lhe informaram. Não participou de 12 marchas. “Não vou
pagar porque não concordo. Isso não é democracia.” Cansado de ser ameaçado,
pôs as casas à venda, por 8 mil bolivianos cada.
Foram os movimentos sociais bolivianos, como as Juntas de Vizinhos, os
camponeses, mineiros, operários e sindicalistas, que conseguiram, por meio
de protestos, bloqueios e marchas, sinalizar para a grave distorção social
do país.
Trouxeram à tona bandeiras que jamais seriam debatidas tão abertamente, como
a exploração dos hidrocarbonetos (defendem a nacionalização) por empresas
estrangeiras, entre elas a Petrobras, a necessidade de uma Assembléia
Constituinte e eleições gerais para renovação do Executivo e Legislativo.
Hoje, a agenda nacional dos políticos incluiu essas questões.
A notícia de que há intimidação de moradores é fruto de “uma campanha do
governo”, diz o presidente da Federação das Juntas de Vizinhos, Abel Mamani.
“Não defendo essa cobrança.” Mas logo abre uma brecha: “Cada junta é
autônoma, não podemos nos intrometer.” Nas juntas, que seriam o equivalente
às associações de bairro no Brasil, há uma forte organização. Debate-se
muito, ouve-se a opinião de todos. Para cada decisão que os líderes vão
tomar, há uma assembléia.
No sábado à noite, a reportagem do Estado acompanhou uma reunião com mais de
cem presidentes de zonas das juntas de El Alto. Discutia-se ali qual a
posição do movimento em relação ao novo presidente, Eduardo Rodríguez. Houve
críticas contundentes aos líderes, que num primeiro momento afirmaram que
manteriam os protestos. Mas, do lado de fora, havia aqueles que discordavam
de tudo, como o estudante Edmundo Bustillos, de 19 anos. “Deviam jogar
dinamite aqui e acabavam-se nossos problemas.” E.N.