Publicada em 13 de novembro de 2005
O Estado de S. Paulo
Eduardo Nunomura
Enviado especial
VERA
Roberto Jefferson sentirá o gosto amargo da derrota por mais tempo. Na sua
reestréia como advogado criminalista, ele viu ser inocentado o réu a quem
acusava pelo assassinato de uma menina de 12 anos. Por quatro votos a três,
o júri absolveu, na madrugada de ontem, o fazendeiro Vilmar Taffarel. “Um
resultado previsível”, foram suas primeiras palavras após o veredicto. No
fundo, o ex-deputado lutou como poucos pela vitória da sua causa, de seus
clientes e da sua pessoal.
“Estou desempregado, preciso trabalhar.” Com essa deixa, Jefferson entrou na
manhã de sexta-feira na Câmara Municipal de Vera, cidade do norte de Mato
Grosso. Era sua reestréia como advogado criminalista, 15 anos depois de seu
último júri. Muito mais conhecido como político, função que exerceu por 23
anos em seis mandatos consecutivos, ele tenta reconstruir a vida fora desse
mundo. Há dois meses, foi cassado por falta de decoro parlamentar.
Jefferson atuou como assistente de acusação da promotora Clarissa Cubis de
Lima. Apesar de coadjuvante, roubou a cena várias vezes. Até os sete jurados
pareciam mais atentos nas suas falas. Um deles, o empresário Rudi Reiner,
não se acanhou. Pediu-lhe um autógrafo. “Ele é uma celebridade.”
Solícito, o ex-deputado era a estrela do julgamento que durou mais de 22
horas. Posou para fotos. Até parentes do réu usaram seus celulares com
câmeras digitais. Fãs confessos do ex-deputado, a irmã do fazendeiro
Taffarel, a ex-prefeita Isane Konerat, e seu marido, Arnon Mendes,
mostravam-se contrariados por Jefferson estar do outro lado. “A vinda dele
movimentou o Estado todo. Vocês (jornalistas) não estariam aqui sem ele”,
disse Mendes.
Jefferson chegou numa cidade dividida e teve de escolher por um dos lados. A
convite da família Alba e por intermédio do deputado Ricarte de Freitas
(PTB-MT), topou participar da acusação sem cobrar honorários. O caso envolve
a morte de Keyla Suele Alba, de 12 anos, em novembro de 2001. O alvo do tiro
era o pai da menina, o então vereador Augusto Alba (PPS-MT), por causa das
denúncias que ele fazia à prefeita Isane (PSDB-MT). Três pessoas, duas delas
presas, admitiram o crime e inicialmente apontaram como mandante o
fazendeiro Vilmar Taffarel. Depois voltaram atrás.
Para o ex-deputado, o convite foi a chance de retornar num caso de grande
publicidade nacional. Uma espécie de terapia. “No início, senti uma sensação
de perda muito ácida. Primeiro a presidência do PTB, depois o mandato.” A
dor maior foi quando desmontou o apartamento funcional no qual viveu em
Brasília por 20 anos. “Já estou recuperado, ou me recuperando.”
O advogado Jefferson estava acompanhado por Teresa, sua assessora, e a
mulher Ana Lúcia Novaes, a ex-enfermeira com quem casou há uns três anos.
Fiel escudeira, Ana o incentivava com piscadelas, beijinhos e acenos.
Jefferson não partiu para a briga. O que houve foram trocas de acusações
entre a promotora e o advogado. Ele chamava a colega de despeitada. Ela o
rotulava de mentiroso. Jefferson, no seu canto, preferia teatralizar os
gestos. “Olha ali o dedo duro do Zé Dirceu”, brincou um espectador. “É
aquele que dizia: ‘Sai daí Zé, para não complicar o presidente’, lembra?”
Jefferson, contudo, não inventou, nem recriou expressões já do folclore
nacional, como “rato magro” (para se referir à cúpula do PT) ou “tirei a
roupa do rei” (ao denunciar o mensalão).
Durante os debates finais, o ex-deputado tentou convencer os jurados pela
empatia e um belo discurso pela união da cidade. Disse que cabia a eles o
destino de Vera, condenar o réu e acabar com o ódio na cidade ou inocentá-lo
e manter o município dividido em duas partes rivais. Após a derrota,
confidenciou que se surpreendeu com a ineficiência de sua argumentação e da
promotora.
O ex-deputado saiu derrotado, mas elogiado por quase todos. “Se não fosse
promotora, me candidataria a ser assistente dele”, admitiu Clarissa. “Não há
vencidos, prevaleceu a Justiça. Agora quero ele ao meu lado para colocar os
verdadeiros assassinos na cadeia”, disse o advogado de defesa, Cláudio Alves
Pereira. “A presença dele, por se tratar de um profissional de renome e
grande competência, foi importante para a acusação, mas acredito que saiu
vitoriosa a tese alegada e não as pessoas”, afirmou o juiz Wendel Karieli
Guedes Simplício.
No dia 17, Jefferson participará de seu segundo julgamento, também como
assistente de acusação. Trata-se do caso do assassinato do desembargador
Irajá Pimentel, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, e da tentativa
de homicídio de sua mulher, Heloísa Helena Duarte Pimentel, em março de
2002. Ele já foi convidado para participar de outros dois casos.